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10 janeiro 2018

Resenha - "Garota, Interrompida"



~ Hey! ~

"Mrs. Margot", criado e administrado por Tiago Cripton é de onde veio mais uma lista de tópicos dentre os quais devo encaixar leituras que desejo realizar no ano de 2018. Vocês já devem ter percebido que me embrenhei em vários Desafios Literários, 5 para ser mais exata e este post, refere-se ao 3º deles. Espero manter o ritmo durante os 12 meses e continuar disponibilizando as resenhas com assiduidade. Sem mais delongas, o lido da vez, foi:





"Garota, Interrompida", Susanna Kaysen
     ★★★★


1. Livro Publicado em ano anterior ao seu nascimento. Nasci em 1998, o livro é de 1993

A autora traz, sabiamente, em capítulos curtos e objetivos, relatos autobiográficos sobre o período em que esteve internada num hospício após ter sido diagnosticada com distúrbio de personalidade limítrofe, aos 18 anos. 

Sabiamente, pois, esse detalhe é de suma importância para proporcionar uma leitura fluída, rápida, clara e até mais prazerosa mesmo sendo um conteúdo denso. 

O  livro é tanto auto bibliográfico, quanto crítico e auto crítico. Vale-se ressaltar a diferenciação entre os dois últimos termos, uma vez que o texto aborda uma visão analítica acerca da pessoa "Susanna" e todos os questionamentos sobre sua sanidade e também, de forma genérica, onde situa - se a linha tênue entre a lucidez e a descompensação.   

Como a visão é da personagem principal e por sua vez em primeira pessoa, enveredamos no que ela quer que enveredemos. Seu arco temporal e evolutivo é perfeitamente traçado e nítido. No primeiro momento, tomamos ciência de como chegou ao ponto de internação e como não tem certeza de que de fato tem algum transtorno psíquico, transparece a dúvida e nos faz questionar também se não teria sido equívoco ou resultado de negligencia medica. Chegamos a conclusão de que independente, ela queria estar lá. Conformou-se. 

Depois, conhecemos algumas das outras internas, as mais próximas em seu pavilhão. Cada qual com as peculiaridades de seus quadros clínicos. Em comum, a perturbação com o mundo exterior e ao mesmo tempo a vontade de experimentá-lo, seguido de aversão aquele hospício que as aprisionava, mas também abrigava-as. Essas outras personagens são excelentes para termos noção da diversidade de casos e vidas que ali se encontram, as motivações e diferentes formas de como chegar a um mesmo ponto: insanidade.

Até em relação ao dia a dia delas, inicia-se com certo distanciamento com as cuidadoras, tanto que nas primeiras páginas são mencionadas apenas como "enfermeiras", depois foram identificadas pelo nome, demonstrando que o elo passou a ser construído, seja para positiva, seja para negativamente. No mais, explica os "regimes" de tratamento da organização na Instituição, a disposição dos cômodos, as rondas e o nível de autonomia pode ser conferida as pacientes.

Em seguida, aprofunda-se em termos técnicos, e a perspectiva muda. As colocações não estão mais como relatos de um tempo remoto, como quando conta dos dias internada, dando impressão de pretérito. Passa a conversar diretamente com o leitor, expressando suas opiniões acerca do que seria loucura, as etapas, detalha sua experiência, mostra as características do seu diagnóstico, aponta os pontos que se assemelham e os que não. Concluí-se que os traços poderiam ser facilmente comparados com os exibidos por qualquer adolescente convencional. Daí a critica aos diagnósticos de doenças mentais na década de 60, que aparentemente eram arbitrários. Nessa parte, é o ápice da personagem, pois demonstra uma maturidade espantosa. A maturidade de quem viu, viveu e hoje está perfeitamente apta para ter uma visão coerente e distanciada de tudo. O arco se completa lindamente.



Como referências para os argumentos, tem-se Freud, que num livro com esse teor, não poderia faltar e para minha feliz surpresa, Platão e o "Mito da Caverna", que nada mais é do que uma reflexão sobre a veracidade do que vemos e do que entendemos do mundo. O que distinguia-as dos demais, o que fazia-as loucas e os restantes não.

O capítulo mais real e ao mesmo tempo triste, ao meu ver, foi o qual traçou o estigma que "pessoas insanas" carregam. Quando diagnosticadas, o medo, o receio em confraternizar com elas, de no fim das contas entender e compartilhar das mesmas neuroses. Quando reabilitadas e tidas como "recuperadas", a dificuldade em reenserir-se na sociedade depois de anos, como adquirir confiança em si mesmas e conquistar a de outros. Como ter uma vida social, profissional e amorosa normal depois que lhes arrancaram toda a normalidade? Estão marcadas para sempre. É uma verdade e doi. 

"Garota, Interrompida" é fascinante. Nos detalhes, da coesão do título, ao desenrolar do texto. 









07 janeiro 2018

Resenha - "Laços de Família"


                                                                            ~ Hey ~

O livro da vez é uma das meta de leitura para o DLL 2018 (Desafio Literário Livreando), referente ao tópico de "Autor Favorito". Não é novidade por aqui minha admiração pela dama da literatura brasileira.

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"Laços de Família", Clarice Lispector 
★★★★

Ler Clarice é sempre um balsamo! Que livro! Fisicamente é leve e curto, mas como pesa e é denso. Precisa-se enxergar as entrelinhas, todas as linhas e detalha-las. Quanto cabe de vida e sensibilidade em poucas palavras da mestre que admitidamente venero e debruço-me com prazer a cada obra.

Toda a coletânea é encantadora, porém alguns contos destacaram-se dos outros a medida que me tocaram. Inclusive, acho que cabe uma crítica individual a cada um deles, porque esmiúça-los, como merecem e como vocês merecem, tornaria excessivamente extensa esta resenha.


A família do artista por Pierre-Auguste Renoir
"A Família do Artista" - Renoir 

São ao todo 13 contos abastecidos da subjetividade e psicanálise características da autora. É preciso atentar-se aos simbolismos (ou seriam modernismos) que surgem ao longo dos textos, pois sabiamente, lá não estariam se não conotasse relevante teor ao relato. Não a leia que ingenuidades. É presumidamente ingênuo.

O cotidiano, o mecanismo das ações tão corriqueiras e automaticamente conhecidas é cenário para o desenrolar da maioria dos personagens apresentados. Ora a inconformidade desta posição programática, ora o despertar para a vida que existe além, ora a fidelização ao costume.
Horas outras, aparecem personagens tomando consciência de si, outros que nem sabem que deverás existem e há ainda os que querem vir a existir.



Giovanni Battista Torriglia

Somos jogados a um mar de vidas e ocasiões. Conhecemos cada um deles num dia singular, num dia espetacularmente inabitual. “Laços de Família” é um compilado de história cujo seio familiar seja direta ou indiretamente é mencionado de modo a ser o grande chamariz ao desenrolá-las. A ligação primeira e mais profunda que desenvolvemos ao longo da vida e pela vida. As pessoas com as quais partilhamos genes, traços e laços dão e deixam no que tange a conteúdos a serem explorados. Ainda mais, tendo a imaginação, tato e coração de Lispector.

Ri, me emocionei, refleti, me identifiquei... Li Clarice.



03 janeiro 2018

Resenha - "História do Olho"


~ Hey ~

Que comecem as leituras de 2018! Mais um ano, mais Desafios Literários. Para abri os trabalhos, escolhi o livro infra resenhado, ousado, publicado em 1928. 



"História do Olho",Georges Bataille
                                                                           ★ ★ ★


                                                         1. Um livro de Ficção Científica

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Créditos: Jan-Saudek-Hyperbole-1 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

"História do Olho" é um livro eroticamente cômico.

Por vezes senti o desejo carnal, lascivo e pútrido no qual o texto é embebido. O título carrega a palavra “olho” e a capa contextualiza a que tipo de “olho” vulgarmente se refere. A variação de nomenclatura para o orifício se repete várias e várias vezes, seja enaltecendo-o, seja desejando -o.

 O ato sexual em si não é detalhado, mas mencionado e determinado. Não há “machadianismos” ao seu desenrolar, apenas o que foi feito, onde e como. Situa e encerra. Os mais pitorescos fetiches são trazidos: a urina e a ejaculação em corpos alheios e junto a cadáver, inclusive estupro seguido de homicídio por enforcamento são alguns deles.


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Créditos: Jan-Saudek-Hyperbole-2 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

Entre os capítulos, desenhos eróticos adornam as páginas, isso porque a obra conversa com a fase surrealista. Marquês de Sade ficaria orgulho.

Trata-se do ardor da descoberta sexual de dois jovens, parentes longínquos e suas angústias compartilhadas pelas “coisas do sexo”, como o próprio eu lírico coloca. O texto é recheado de insinuações capciosas, olhares insanos e principalmente um pudor retido pela necessidade esmagadora de libertar-se, a libertação está intrinsecamente associada a nudez e essa por sua vez, ao prazer.

Diferente do comum em relação as mídias que retratam o sexo, em “Historia do Olho”, o sexo não finda ou tem necessariamente a sua consumação no gozo, mas sim na exasperação, no limite do humanamente suportável. O ambiente hostil de urina, sangue, suor, vômito e “porra” consome os personagens e só então, exaustos ou insanos encerram.

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Créditos: SAudek-hyperbole-40 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

Vários objetos e “coisas”, por assim dizer, tem suas funções e características distorcidas em prol da conotação que os personagens querem dar ou precisam inseri-los e utilizá-los. Um pote não é mais um pote somente, um armário não é mais um armário somente e um ovo, não é mais um ovo somente. O único nu, cru e de fato real é o prazer e todo o resto meio para alcança-lo.

Por fim, o narrador nos apresenta uma versão do que poderia ser a explicação para os atos narrados até então, mas sem justificar-se, o que dá um teor autobiográfico a obra, onde já reina a metáfora.



17 outubro 2017

O pior melhor dia da minha vida










Meu filho nasceu.

A maioria esmagadora dos relatos de parto e todo o trabalho deste traz a alegria e satisfação em ter colocado a prole no mundo. Menciona-se a dor, o cansaço, a força de vontade, claro, mas logo tornam-se meros detalhes diante da vastidão de sentimentos. Elas dizem "o dia do nascimento do meu bebê foi o melhor dia da minha vida."

Bem, o meu, foi o pior. Até hoje e duvido muito que outra data supere a catástrofe.
Tudo. Absolutamente tudo o que eu não queria que acontecesse aconteceu, como que programado pelo Universo. "É isso que ela não deseja? Pois bem, terá." "Aquilo a deixará desesperada? Acontecerá." Dito e certo. Foram 17 horas de desacertos e sofrimento.

Não, não senti dores físicas, dor é o último item na lista de queixas. Ao menos nisso, fui poupada. O físico manteve-se firme, segurando as pontas dignamente enquanto o psicológico sucumbia. 
Às 04:00 hrs da manhã do dia 13/08/2017, consegui finalmente me render ao sono, o que estava sendo raro durante o terceiro trimestre da gestação, não pelo tamanho da barriga, porque cresceu pouco, não incomodava, apenas não conseguia simplesmente deitar, relaxar e dormir. Nesse horário, deitada para o lado esquerdo, tentava - como uma barata de pernas para o ar, firma-se ao chão - virar para o lado direito. Sem sucesso, depois de inúmeras tentativas, pedi por ajuda, já que não sentia minhas pernas, cintura para baixo imóvel. 

O pai do meu filho depois de despertar, pôs-se a me ajudar. Alongamento aqui, bolsa térmica acolá, compressa ali... Ás 07:00 hrs consegui me mexer. Como boa "arretada" que sou, ao menor sinal de melhora, ter me virado, como pretendido desde o começo e continuar deitada não seria o suficiente, não. Levantei, é claro e fui tomar banho "para relaxar", eu disse. Aguas escorrendo, deduzi que a bolsa estourou e mais uma vez me ponho a pedir por ajuda. 

Não queria ir para o hospital ás 07:07 da manhã, não queria fazer alarde pelo o que poderia ser um alarme falso, não queria ligar para ninguém sem certezas. Fui contra vontade. 
Em 19 anos sendo mulher, em 9 meses sendo gestante, nunca antes passei por um exame de toque que machucasse tanto. Chorei de angustia. "É assim mesmo, procedimento padrão", disse o médico. Não, meu senhor, não é. Existem várias maneiras de se fazer tudo na vida e definitivamente o senhor escolheu a mais bruta para me examinar. Obrigada. Dilatação de 3 cm, falta muito ainda, volte para casa, retorne mais tarde.

Voltei. Eu queria era dormir, colocar as pernas para cima e me preparar para o esforço que viria, mas fui induzida a avisar aos meus pais. Não queria. Esse é o primeiro momento em que você leitor, vai me chamar de péssima filha. Calma, terão vários. Não queria que eles soubessem, não queria vê-los, não queria. Ter um filho é delicado, precisa-se de tranquilidade, paz, conforto e meus pais nunca me ofereceram isso, não seria agora. Mas liguei. Ambos disseram que queriam ir me acompanhar, eles queriam. Eu disse que não, que não seria necessário, que teria muita gente comigo, que não precisava. Eles respeitaram? Ora, eles queriam, eles foram. Minha vontade? HAHAHA

Voltei. Novamente, o Dr. Gentileza fez o procedimento "padrão" de tortura em gestantes. 7 cm de dilatação. Fui internada. A sala de espera das mulheres em trabalho de parto. Imaginem todas as cenas de filme de terror compiladas, aquelas em que o monstro corre atrás das vítimas e elas gritam desesperadas, pois bem, tendo isso em mente, você pode ter uma vaga noção de como é. Choro, agonia, berros, "homens, saiam, por favor", "daqui a pouco você sobe", "força, força", para resumir. E eu, plena, como me chamaram, a grávida plena, agachando, andando, conversando com os parentes e esperando o moço querer nascer. Minha bolsa não tinha estourado. A enfermeira, como que inconformada com tamanha plenitude, quis me ver em agonia, estourou a bolsa com as próprias mãos. A partir daí tudo começou a desandar.

Fiquei só. Só eu, sangue, líquido amniótico e um bebê. Nunca me senti tão perdida, desesperada e abandonada. Queria desistir naquele momento, mas como pausar o parto? Como falar "não, não quero mais, missão cancelada, outra hora ele nasce." Ele estava preparado para o mundo, mas o mundo não estava para ele, as pessoas do meu mundo não estava, a pessoa que importava sumiu. "Não vai voltar", me disseram. Tudo bem, respirei fundo, sou eu e meu filho, meu filho e eu. Vamos conseguir.
As contrações começaram, precisava tomar banho, para tomar banho precisava da minha bolsa com toalha, sandália e roupa limpa, para pegar minha bolsa, precisava levantar do leito, para levantar do leito precisava de alguém em quem me apoiar, mas não tinha ninguém. Levantei. Líquido escorria por entre minhas pernas e olhos, escorria, escorria, escorria. Quase caí, continuei. Peguei minha bolsa "quer ajuda, Isa?" já tinha decidido me virar "não, obrigada", "quer ajuda, Isa?" "não, obrigada", "quer ajuda, Isa?" "não, obrigada", respondia em tom sereno e esboçava o máximo de simpatia que a minha condição permitia. Não foi o suficiente. A grávida, para dar a luz, sangrando, atordoada, abandonada, chorando e com medo não foi educada o suficiente para a etiqueta britânica. Perdão.

O pai do meu filho resolveu voltar, mas não antes de a avó paterna ir questionar meu comportamento de agora a pouco, "magoou sua mãe", é claro, estava em meu juízo perfeito naquele exato momento para discutir sobre minha atitude e imagine se eu tivesse respondido algo além de "não, obrigada". Se eu falasse apenas "não" ia presa ali mesmo, por desacato a autoridade. Pois ele voltou tentando me motivar "você consegue" e eu só queria que tudo acabasse, que aquele dia sumisse da minha memória, e nem tinha acabado. 

Tomei banho e deitei no leito, mas tinha que levantar, tinha que andar, tinha que dar continuidade. Queria ficar deitada, mas novamente fiz o que queriam. Andei, me desequilibrei, me apoiei e trouxeram uma cadeira de rodas, me colocaram no elevador passando por um corredor de rostos conhecidos, familiares, mas sem amor, sem receber força de nenhum, sem motivação de nenhum, sem querer sorrir para nenhum. Ninguém estava ali por mim, ninguém. E não é ingratidão, não é. Meus pais foram por eles e falarei disso em outro post, os pais do pai do meu filho foram por ele, bem como os demais parentes. Eu que sou eu, não estava por mim, quanto mais. Há muito tempo não sou por mim nessa vida, aliás, acho que nunca fui. Sou a sombra do que projetam para que eu seja e de bom grado sou. 

Subi. Sem sentir minhas pernas, sem sentir meu corpo, sem sentir nada, tive que levantar da cadeira, andar e me deitar em outro leito, porque tinha, sem maiores explicações. Então assim fiz. Deitei, me arrastaram, orientaram a posição e me mandaram fazer força, muita força. Eu fiz. É a posição, o jeito, a força, a sensação mais desconfortável que existe na face da terra, chaga ser desolador. Eu só pensava que fracassaria, que não daria conta, cheguei a declarar "não vou conseguir, não vou", a médica, quem confiou em minha capacidade, quando eu já tinha me desenganado. Pronto. Nasceu. Só senti alívio, só isso, logo depois, quando o colocaram deitado em cima de mim, gratidão, muita gratidão por ter tido força para gerar e parir, então agradeci, não a deus, não a médica, não ao mundo.. só agradeci. Me fotografaram daquele jeito: arreganhada, suja, exposta, exausta e desorientada. Não sabia se ria ou se chorava, minha expressão na foto ficou no meio termo entre esses dois. Horrível. 

Levaram meu bebê para lavar, trocar, alimentar e vestir, enquanto eu fui costurada, anestesiada e mandada para outra ala. Me trouxeram ele, mas mandaram o pai ir embora e ele foi. Ele foi! 
Colocaram meu bebê ao meu lado, pegaram algumas informações e me arrastaram de novo. Outro corredor, busco o rosto do pai e vejo meus pais, os mesmos que eu nem queria que tivessem ido, eram os que iriam ficar comigo. Chorei como se não houvesse amanhã. Estava presa naquela maca, naquele hospital e com aqueles dois. Você não entende, eles não entendem, ninguém entende, mas fiquei tão desesperada, minha vontade era sair correndo, enrolar meu filho no cordão umbilical e correr para longe de todos os desastres em sequência que estavam acontecendo. Fui obrigada a aceitar, o hospital me obrigou a aceitar. 

A grande questão é como um ser tão abençoado, tão puro e ingenuo trouxe para minha vida tantas situações terríveis. Óbvio que não foi meu filho, mas em decorrência da existência dele. Eu o amo, o amo muito, "amor" não é o suficiente para caracterizar o que eu sinto por ele, mas passei por muitas tristezas advindas, inclusive e a pior de todas, a vinda dele ao mundo. Uma junção de tudo que eu não queria, gosto ou esperava, a receita da infelicidade. 


09 março 2017

Síntese de dias crepusculares




Eu sinto tanto a sua falta
E sinto muito por você não sentir o mesmo
Sinto necessidade de olhar nos seus olhos e fazer essa confissão, mas me calo, você me calou
Sinto que me perdi enquanto te perdia e esse vazio pesa, só não mais que a dor
Sinto como se tivesse tirado tudo de mim, tudo de melhor, de mais importante, mais forte e mais bonito quando você se retirou, no exato momento
Sinto falta de fé
Falta de esperança
Falta de ar
Falta de você
Em algumas raras horas eu consigo não pensar nisso, consigo rir e fingir que vai ficar tudo bem, me conformo
Nas horas outras, a maioria esmagadora de horas, é como se fosse agora.
É tão insuportável pensar em você, lembrar de você e é tão pior me esforçar a esquecer
Fico repassando atitudes minhas, gestos meus, palavras tuas, mistérios teus e não vejo nenhum indício de motivos concretos, não acho nenhum sinal do porquê se foi
Me olho no espelho e também não vejo nenhum pelo qual deveria ter ficado, deveria ter lutado e insistido
Por isso não lutou, não tentou, não ficou, não olhou. Adeus.
Em contrapartida, tenho todas as razões para te detestar, para me motivar a te apagar da minha vida e pensamentos, mas não consigo
Aqui no chão está tão frio, tão cômodo, é tão mais fácil continuar parada e se dar por vencida
Estou vencida
Você venceu
Para você tudo sempre foi um jogo, as pessoas suas peças para atingir objetivos e eu não passei disso: objeto
Descartável, violável, desrespeitável, desconsiderável, inutilizável pela sua doença vil
E como bom campeão, saiu oponente do campo de batalha, sem remorsos, sem amarras, sem demora
Fez o que deveria ter feito, fez o que quis e faria tudo de novo repetidas vezes, sem nenhum vestígio de arrependimento
Não demorou a erguer seu troféu e propagar toda sua glória majestosa, a se permitir comemorar e sorrir e viver bem, muito bem enquanto mais uma alma jazia dilacerada aos seus pés
Sangue nas mãos e coração em paz, assim que você faz
Ganha, ganha sempre
Me derrotou em tão pouco tempo
E eu que sempre me culpei por tudo, ainda acho que é por falhas minhas que hoje minguou só

05 janeiro 2017

2. Rara, a menina Pan


| Por Claudia Tremblay |

Estava eu, na tranquilidade dos meus pensamentos na medida que 3 crianças brincando ao meu lado permitiam, até que uma delas me questionou e a tranquilidade se esvaiu. 

"Isa, você é criança?" 

A questão é que ela não me perguntou quantos anos eu tinha e tirou suas próprias conclusões, não reparou na discrepância da minha figura de observadora e a deles juntos gritando e pulando, ou ainda minhas feições ou minha altura, em comparação a ela mesma (ainda que eu seja baixinha). A questão é que ela não pensou em nenhuma dica óbvia para a resolução da sua dúvida, para mim tão absurda. Isso tudo porque a menina que tem o nome Rara, queria uma companheira de brincadeira, não saber em que ano eu nasci ou se já posso dirigir. 

Sou criança o suficiente para sorrir com os sorrisos deles, para me arriscar a acompanhar o pique dos jogos, para ter uma conversa divertida, ainda que ilógica com eles e por que não, para brincar !?

Sou adulta o suficiente para mediar a intensidade das peripécias, auxiliar em alguma dificuldade de locomoção ou ainda vigiar por segurança. 

Edna St. Vicent Millay certa vez disse que "A infância não vai do nascimento até certa idade e a certa altura a criança já está crescida [...] A infância é o reino onde ninguém morre."

Essa citação me veio a mente assim que recebi a pergunta de Rara, mas fiquei sem ação, não a respondi nada, só pensei muito em várias possíveis respostas. Naquele momento ela pode ter até se sentido ignorada, mas foi a responsável por uma das perguntas mais marcantes, embora simples, da minha vida, tanto que guardo-a com carinho até hoje e anseio um dia poder respondê-la. Provavelmente ela não se lembrará de um dia ter me feito tal pergunta, provavelmente não nos veremos mais, porém quero respondê-la, nem que seja como autorreflexão ou compartilhando com vocês. 

Sempre acreditei que "criança", "adolescente", "adulto" e "idoso" transcende o número de velas apagadas durante a vida, exige critérios bem mais elaborados como: postura, maturidade, bom senso, discernimento, consciência, responsabilidade e talvez o mais importante seja o auto conhecimento, o auto reconhecimento. 

Então, que saibamos nos reconhecer e nos permitir, afinal, parafraseando Rubem Alves, o que seria da vida sem longas e silenciosas metamorfoses?

Muito prazer em conhecê-la. Seja feliz!

09 dezembro 2016

1. A senhorinha do ônibus


"[...] Prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida"

Em tempos de bem querença fútil e levianamente passageira, deparei-me com uma simpática senhora em algumas das muitas viagens de ônibus por Salvador.  

É preciso enxergar quem nos rodeia e principalmente, o que quem nos rodeia enxerga.
Foi em uma troca de olhares despretensiosa, ao captar o olhar vago e triste acompanhado por um longo suspiro, suspiro de quem está cansado, suspiro para abafar um pedido de socorro que eu perguntei "está tudo bem com a senhora?" que recebi todo o dilúvio de dores.
"Estou bem ... Meu marido é interno no Hospital Sarah e vou vê-lo... Todos os dias. Ele não pode ficar em casa por causa dos aparelhos necessários ao tratamento, nossa casa não tem estrutura. Então eu vou até ele. Cuido, limpo, observo. Nossos filhos? Têm suas vidas. Ele tem a mim e eu a ele. Não aguento mais fazer muita coisa, sabe? Sinto dores e as enfermeiras pouco ajudam.

A senhora é uma guerreira! 
Depois desse desabafo nos vimos em poucas oportunidades, sempre me dirigindo um sorriso montado ao entrar e deixando o "deus abençoe" ao sair. Estávamos na rotina uma da outra, pontualmente às 6:50 da manhã, até que ela parou de frequentar o ônibus, pelo menos no mesmo horário que eu. Há meses não a vejo. Me pergunto se o marido dela melhorou e recebeu alta, o que justificaria suas ausências, não precisaria mais ir ao Hospital, pergunto-me se ele faleceu e se estaria precisando de um abraço reconfortante. O fato é que não sei o que houve, que gostaria muito de saber e sinto falta da doce senhora que me mostrou que ainda é possível casais reais firmarem uma união de longa data e o amor perdurar, mesmo com todo o sofrimento, mesmo com todos os sacrifícios. 

A senhora que não me contou o nome, mas sim sua história de amor, não se queixou de se deslocar diariamente até o leito hospitalar, de morar sozinha, de se sentir só, da doença do marido ou da negligência dos filhos. Ela só expôs o quanto precisava e queria estar do lado dele e não desistiria de buscar, não desistiria deles. 

Enquanto estamos banhados de amor líquido, o casal permanece intacto na secura de suas peles e na solidez sacramentada, já experimentaram as gotas, correr por entre elas, mas hoje preferem a calmaria, a espera do sol abrir novamente, sem riscos, porque enquanto estiverem na companhia um do outro valerá a pena, para sempre.

Pesa, não apenas, tão somente a massa corpórea, a aliança pesa. O elo para toda uma vida

Muito prazer em conhecê-la. Seja feliz! 
 



17 agosto 2016

Mansarda da depressão


A maturidade ou a translúcida realidade esmagadora.
Ontem, da janela do meu quarto, observava o céu e de relance o bloco da frente, observava como todas as luzes já estavam apagadas, cada residente entregue aos seus próprios sonhos. Sonhos .. A palavra vagou e vagou e divagou na minha mente, até que devagar, se dissipou e despiu-me. Não tenho sonhos. Lembrei do tempo em que os tinha, do quanto rezava baixinho, encolhida no chão frio para sair da casa dos meus pais, o quanto implorava para que os anos passassem logo, para que eu começasse a viver, ter uma vida. Não pedia o fim da infância, não pedia por vida adulta. Só suplicava para ir, simplesmente ir.
Lembrei que anos atrás dei prioridade a tanta coisa vã, a tantas "necessidades" furtivas e como sinto raiva de mim por isso, pela perda de tempo, pelo desgaste com a irrelevância, mas ao mesmo tempo não me imagino hoje sabendo a distinção entre o relevante ou não, sem esse passado sombrio e tão conscientizador. 




Ontem, repassei as agora metas. Quero me formar, ter uma casa e começar a viver, ter uma vida. E depois? Me inserir num mercado de trabalho, começar a viver, ter uma vida. E depois? Me aposentar, começar a viver, ter uma vida. E depois? The end. Se não agora, quando? Quando vou sair da inercia em que existo? Quando finalmente a escadas dos anos apontar os últimos degraus e a ficha cair de que não tem mais como começar a viver, mas sim, desde meu nascimento apenas morro, que em cada esquina cai um pouco a minha vida? 
São tantos dias desperdiçados e horas e minutos e segundos. Rasgados inconsequentemente com a arte milenar do "não fazer nada", amassados com dores e sofrimento evitáveis, mas como evitá-los? Para quem sente muito, sente tudo e sente mais ainda, como frear  os olhos turvos, as pernas vacilantes e a tontura eminente se quando vamos ponderar se a faca dilacerando nossas vísceras machucou tanto quanto fazemos parecer se o sangue já começou a jorrar? 
O fato é que toda noite, as pessoas deveriam encostar suas cabeças no travesseiro com a tranquilidade de que viveu bem, que seu dia foi deveras produtivo. Não por atingir a uma meta extra no trabalho, ou ter cumprido todas as atividades maçantes da agenda maçante de uma rotina maçante. Deveríamos sentir a delícia diariamente de "dever cumprido" com nós mesmos, de termos dito tudo o que a boca desejava proferir, abraçado todos os braços que nossos abraços queriam abraçar, ter olhado dentro dos olhos de todos os Universos particulares que quiséssemos explorar 

06 fevereiro 2016

Se a canoa não virar olê olê olá, eu chego lá ♬♪



Términos Carnavalescos

~ Hey foliões ~



Adeus
 Carnaval
Fevereiro

Briga
Foto com "amiga" no esquenta pré carnaval Chiclete com Banana
Briga
Quis sair no bloco da Preta Gil sozinha. Vingança. Fui
Briga
Quis ir ao ensaio da banda Eva sozinho. Foi
Briga
Resoluções de ano novo. Iriamos morar juntos até junho, me garantiu.

Janeiro

Vimos o show de fogos abraçados, pulamos as 7 ondas de mãos dadas e trocamos juras de eternidade em pleno 23:59 - 00:00. Falamos até em noivado. O champanhe estourou.

Natal em família. O trouxe em casa, ele me levou na dele. Sim, está sério. Trocamos presentes e dividimos a taça de cidra. Compartilhar é um bom sinal!

Dezembro

Esse foi o primeiro passo para um grande começo, né? Acho que sim. Transpomos a fase do oi tímido, do interesse velado, do gostar recatado. É uma evolução. Será para sempre.

Te amo
Novembro


05 fevereiro 2016

O teu cabelo não nega, mulata... Mulata eu quero o teu amor ♬♪


Relatos Carnavalescos

~ Hey foliões ~ 





- Moça, seu rebolado balançou meu coração.

Olívia ria.

- É sério, acreditaria se eu falasse estar tendo palpitação?

Olívia ria.

- Te darei um beijo ou dois, é claro, com sua autorização.

Sergio não queria fazer presunção, mas não se limitaria então

Olívia ria.

- Ah, mulata... Esse riso me ganha, bem capaz que eu peça logo a sua mão

Diria sim? Diria não?

Olivia ria.

- Estava ali, perto da corda, quando cruzei seu olhar no meu, nunca sentira tanta emoção

Precisava trocar-lhe algumas palavras, saber quem é a bela mulata que causou tanta comoção

Saiba que não foi só a mim, mulata, mas tive a convicção

Olivia ria.

- Não sei se foram teus lábios carnudos que os deixaram mudos, ou se Vênus dedicou a mim esse teu corpo, minha perdição.

Teus olhos cor de ameixa não me dão expressão.

Diria sim? Diria não?

Olivia ria.

- Pode estar pensando que é enganação, afinal, sou folião

Mas tenha certeza que não é minha intenção

Quero te fazer minha, porque tu já me tens, não tive opção. Te vi. Gamei. Paixão.

Olivia ria.

- Se não me queres, perdão. Seguirei com essa negação. Quem sabe a quarta - feira de cinzas, leve embora minha solidão.

- Não seja bobo, folião! Está a enamorar os confetes do chão?

Perguntou Seu Tião que observava a toda confissão

- Não, não! Não vê a mulata? Olha a perfeição!

- ... Pura imaginação ...

Olivia ria.

- Não pode ser! Mas que decepção ...

Um dia me cruzo com tu, mulata. Me dedicarei, me olharás. Te beijarei, me amarás. Amém. Oração

Olivia ria.

"Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval."