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17 outubro 2017

O pior melhor dia da minha vida










Meu filho nasceu.

A maioria esmagadora dos relatos de parto e todo o trabalho deste traz a alegria e satisfação em ter colocado a prole no mundo. Menciona-se a dor, o cansaço, a força de vontade, claro, mas logo tornam-se meros detalhes diante da vastidão de sentimentos. Elas dizem "o dia do nascimento do meu bebê foi o melhor dia da minha vida."

Bem, o meu, foi o pior. Até hoje e duvido muito que outra data supere a catástrofe.
Tudo. Absolutamente tudo o que eu não queria que acontecesse aconteceu, como que programado pelo Universo. "É isso que ela não deseja? Pois bem, terá." "Aquilo a deixará desesperada? Acontecerá." Dito e certo. Foram 17 horas de desacertos e sofrimento.

Não, não senti dores físicas, dor é o último item na lista de queixas. Ao menos nisso, fui poupada. O físico manteve-se firme, segurando as pontas dignamente enquanto o psicológico sucumbia. 
Às 04:00 hrs da manhã do dia 13/08/2017, consegui finalmente me render ao sono, o que estava sendo raro durante o terceiro trimestre da gestação, não pelo tamanho da barriga, porque cresceu pouco, não incomodava, apenas não conseguia simplesmente deitar, relaxar e dormir. Nesse horário, deitada para o lado esquerdo, tentava - como uma barata de pernas para o ar, firma-se ao chão - virar para o lado direito. Sem sucesso, depois de inúmeras tentativas, pedi por ajuda, já que não sentia minhas pernas, cintura para baixo imóvel. 

O pai do meu filho depois de despertar, pôs-se a me ajudar. Alongamento aqui, bolsa térmica acolá, compressa ali... Ás 07:00 hrs consegui me mexer. Como boa "arretada" que sou, ao menor sinal de melhora, ter me virado, como pretendido desde o começo e continuar deitada não seria o suficiente, não. Levantei, é claro e fui tomar banho "para relaxar", eu disse. Aguas escorrendo, deduzi que a bolsa estourou e mais uma vez me ponho a pedir por ajuda. 

Não queria ir para o hospital ás 07:07 da manhã, não queria fazer alarde pelo o que poderia ser um alarme falso, não queria ligar para ninguém sem certezas. Fui contra vontade. 
Em 19 anos sendo mulher, em 9 meses sendo gestante, nunca antes passei por um exame de toque que machucasse tanto. Chorei de angustia. "É assim mesmo, procedimento padrão", disse o médico. Não, meu senhor, não é. Existem várias maneiras de se fazer tudo na vida e definitivamente o senhor escolheu a mais bruta para me examinar. Obrigada. Dilatação de 3 cm, falta muito ainda, volte para casa, retorne mais tarde.

Voltei. Eu queria era dormir, colocar as pernas para cima e me preparar para o esforço que viria, mas fui induzida a avisar aos meus pais. Não queria. Esse é o primeiro momento em que você leitor, vai me chamar de péssima filha. Calma, terão vários. Não queria que eles soubessem, não queria vê-los, não queria. Ter um filho é delicado, precisa-se de tranquilidade, paz, conforto e meus pais nunca me ofereceram isso, não seria agora. Mas liguei. Ambos disseram que queriam ir me acompanhar, eles queriam. Eu disse que não, que não seria necessário, que teria muita gente comigo, que não precisava. Eles respeitaram? Ora, eles queriam, eles foram. Minha vontade? HAHAHA

Voltei. Novamente, o Dr. Gentileza fez o procedimento "padrão" de tortura em gestantes. 7 cm de dilatação. Fui internada. A sala de espera das mulheres em trabalho de parto. Imaginem todas as cenas de filme de terror compiladas, aquelas em que o monstro corre atrás das vítimas e elas gritam desesperadas, pois bem, tendo isso em mente, você pode ter uma vaga noção de como é. Choro, agonia, berros, "homens, saiam, por favor", "daqui a pouco você sobe", "força, força", para resumir. E eu, plena, como me chamaram, a grávida plena, agachando, andando, conversando com os parentes e esperando o moço querer nascer. Minha bolsa não tinha estourado. A enfermeira, como que inconformada com tamanha plenitude, quis me ver em agonia, estourou a bolsa com as próprias mãos. A partir daí tudo começou a desandar.

Fiquei só. Só eu, sangue, líquido amniótico e um bebê. Nunca me senti tão perdida, desesperada e abandonada. Queria desistir naquele momento, mas como pausar o parto? Como falar "não, não quero mais, missão cancelada, outra hora ele nasce." Ele estava preparado para o mundo, mas o mundo não estava para ele, as pessoas do meu mundo não estava, a pessoa que importava sumiu. "Não vai voltar", me disseram. Tudo bem, respirei fundo, sou eu e meu filho, meu filho e eu. Vamos conseguir.
As contrações começaram, precisava tomar banho, para tomar banho precisava da minha bolsa com toalha, sandália e roupa limpa, para pegar minha bolsa, precisava levantar do leito, para levantar do leito precisava de alguém em quem me apoiar, mas não tinha ninguém. Levantei. Líquido escorria por entre minhas pernas e olhos, escorria, escorria, escorria. Quase caí, continuei. Peguei minha bolsa "quer ajuda, Isa?" já tinha decidido me virar "não, obrigada", "quer ajuda, Isa?" "não, obrigada", "quer ajuda, Isa?" "não, obrigada", respondia em tom sereno e esboçava o máximo de simpatia que a minha condição permitia. Não foi o suficiente. A grávida, para dar a luz, sangrando, atordoada, abandonada, chorando e com medo não foi educada o suficiente para a etiqueta britânica. Perdão.

O pai do meu filho resolveu voltar, mas não antes de a avó paterna ir questionar meu comportamento de agora a pouco, "magoou sua mãe", é claro, estava em meu juízo perfeito naquele exato momento para discutir sobre minha atitude e imagine se eu tivesse respondido algo além de "não, obrigada". Se eu falasse apenas "não" ia presa ali mesmo, por desacato a autoridade. Pois ele voltou tentando me motivar "você consegue" e eu só queria que tudo acabasse, que aquele dia sumisse da minha memória, e nem tinha acabado. 

Tomei banho e deitei no leito, mas tinha que levantar, tinha que andar, tinha que dar continuidade. Queria ficar deitada, mas novamente fiz o que queriam. Andei, me desequilibrei, me apoiei e trouxeram uma cadeira de rodas, me colocaram no elevador passando por um corredor de rostos conhecidos, familiares, mas sem amor, sem receber força de nenhum, sem motivação de nenhum, sem querer sorrir para nenhum. Ninguém estava ali por mim, ninguém. E não é ingratidão, não é. Meus pais foram por eles e falarei disso em outro post, os pais do pai do meu filho foram por ele, bem como os demais parentes. Eu que sou eu, não estava por mim, quanto mais. Há muito tempo não sou por mim nessa vida, aliás, acho que nunca fui. Sou a sombra do que projetam para que eu seja e de bom grado sou. 

Subi. Sem sentir minhas pernas, sem sentir meu corpo, sem sentir nada, tive que levantar da cadeira, andar e me deitar em outro leito, porque tinha, sem maiores explicações. Então assim fiz. Deitei, me arrastaram, orientaram a posição e me mandaram fazer força, muita força. Eu fiz. É a posição, o jeito, a força, a sensação mais desconfortável que existe na face da terra, chaga ser desolador. Eu só pensava que fracassaria, que não daria conta, cheguei a declarar "não vou conseguir, não vou", a médica, quem confiou em minha capacidade, quando eu já tinha me desenganado. Pronto. Nasceu. Só senti alívio, só isso, logo depois, quando o colocaram deitado em cima de mim, gratidão, muita gratidão por ter tido força para gerar e parir, então agradeci, não a deus, não a médica, não ao mundo.. só agradeci. Me fotografaram daquele jeito: arreganhada, suja, exposta, exausta e desorientada. Não sabia se ria ou se chorava, minha expressão na foto ficou no meio termo entre esses dois. Horrível. 

Levaram meu bebê para lavar, trocar, alimentar e vestir, enquanto eu fui costurada, anestesiada e mandada para outra ala. Me trouxeram ele, mas mandaram o pai ir embora e ele foi. Ele foi! 
Colocaram meu bebê ao meu lado, pegaram algumas informações e me arrastaram de novo. Outro corredor, busco o rosto do pai e vejo meus pais, os mesmos que eu nem queria que tivessem ido, eram os que iriam ficar comigo. Chorei como se não houvesse amanhã. Estava presa naquela maca, naquele hospital e com aqueles dois. Você não entende, eles não entendem, ninguém entende, mas fiquei tão desesperada, minha vontade era sair correndo, enrolar meu filho no cordão umbilical e correr para longe de todos os desastres em sequência que estavam acontecendo. Fui obrigada a aceitar, o hospital me obrigou a aceitar. 

A grande questão é como um ser tão abençoado, tão puro e ingenuo trouxe para minha vida tantas situações terríveis. Óbvio que não foi meu filho, mas em decorrência da existência dele. Eu o amo, o amo muito, "amor" não é o suficiente para caracterizar o que eu sinto por ele, mas passei por muitas tristezas advindas, inclusive e a pior de todas, a vinda dele ao mundo. Uma junção de tudo que eu não queria, gosto ou esperava, a receita da infelicidade.