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10 janeiro 2018

Resenha - "Garota, Interrompida"



~ Hey! ~

"Mrs. Margot", criado e administrado por Tiago Cripton é de onde veio mais uma lista de tópicos dentre os quais devo encaixar leituras que desejo realizar no ano de 2018. Vocês já devem ter percebido que me embrenhei em vários Desafios Literários, 5 para ser mais exata e este post, refere-se ao 3º deles. Espero manter o ritmo durante os 12 meses e continuar disponibilizando as resenhas com assiduidade. Sem mais delongas, o lido da vez, foi:





"Garota, Interrompida", Susanna Kaysen
     ★★★★


1. Livro Publicado em ano anterior ao seu nascimento. Nasci em 1998, o livro é de 1993

A autora traz, sabiamente, em capítulos curtos e objetivos, relatos autobiográficos sobre o período em que esteve internada num hospício após ter sido diagnosticada com distúrbio de personalidade limítrofe, aos 18 anos. 

Sabiamente, pois, esse detalhe é de suma importância para proporcionar uma leitura fluída, rápida, clara e até mais prazerosa mesmo sendo um conteúdo denso. 

O  livro é tanto auto bibliográfico, quanto crítico e auto crítico. Vale-se ressaltar a diferenciação entre os dois últimos termos, uma vez que o texto aborda uma visão analítica acerca da pessoa "Susanna" e todos os questionamentos sobre sua sanidade e também, de forma genérica, onde situa - se a linha tênue entre a lucidez e a descompensação.   

Como a visão é da personagem principal e por sua vez em primeira pessoa, enveredamos no que ela quer que enveredemos. Seu arco temporal e evolutivo é perfeitamente traçado e nítido. No primeiro momento, tomamos ciência de como chegou ao ponto de internação e como não tem certeza de que de fato tem algum transtorno psíquico, transparece a dúvida e nos faz questionar também se não teria sido equívoco ou resultado de negligencia medica. Chegamos a conclusão de que independente, ela queria estar lá. Conformou-se. 

Depois, conhecemos algumas das outras internas, as mais próximas em seu pavilhão. Cada qual com as peculiaridades de seus quadros clínicos. Em comum, a perturbação com o mundo exterior e ao mesmo tempo a vontade de experimentá-lo, seguido de aversão aquele hospício que as aprisionava, mas também abrigava-as. Essas outras personagens são excelentes para termos noção da diversidade de casos e vidas que ali se encontram, as motivações e diferentes formas de como chegar a um mesmo ponto: insanidade.

Até em relação ao dia a dia delas, inicia-se com certo distanciamento com as cuidadoras, tanto que nas primeiras páginas são mencionadas apenas como "enfermeiras", depois foram identificadas pelo nome, demonstrando que o elo passou a ser construído, seja para positiva, seja para negativamente. No mais, explica os "regimes" de tratamento da organização na Instituição, a disposição dos cômodos, as rondas e o nível de autonomia pode ser conferida as pacientes.

Em seguida, aprofunda-se em termos técnicos, e a perspectiva muda. As colocações não estão mais como relatos de um tempo remoto, como quando conta dos dias internada, dando impressão de pretérito. Passa a conversar diretamente com o leitor, expressando suas opiniões acerca do que seria loucura, as etapas, detalha sua experiência, mostra as características do seu diagnóstico, aponta os pontos que se assemelham e os que não. Concluí-se que os traços poderiam ser facilmente comparados com os exibidos por qualquer adolescente convencional. Daí a critica aos diagnósticos de doenças mentais na década de 60, que aparentemente eram arbitrários. Nessa parte, é o ápice da personagem, pois demonstra uma maturidade espantosa. A maturidade de quem viu, viveu e hoje está perfeitamente apta para ter uma visão coerente e distanciada de tudo. O arco se completa lindamente.



Como referências para os argumentos, tem-se Freud, que num livro com esse teor, não poderia faltar e para minha feliz surpresa, Platão e o "Mito da Caverna", que nada mais é do que uma reflexão sobre a veracidade do que vemos e do que entendemos do mundo. O que distinguia-as dos demais, o que fazia-as loucas e os restantes não.

O capítulo mais real e ao mesmo tempo triste, ao meu ver, foi o qual traçou o estigma que "pessoas insanas" carregam. Quando diagnosticadas, o medo, o receio em confraternizar com elas, de no fim das contas entender e compartilhar das mesmas neuroses. Quando reabilitadas e tidas como "recuperadas", a dificuldade em reenserir-se na sociedade depois de anos, como adquirir confiança em si mesmas e conquistar a de outros. Como ter uma vida social, profissional e amorosa normal depois que lhes arrancaram toda a normalidade? Estão marcadas para sempre. É uma verdade e doi. 

"Garota, Interrompida" é fascinante. Nos detalhes, da coesão do título, ao desenrolar do texto. 









07 janeiro 2018

Resenha - "Laços de Família"


                                                                            ~ Hey ~

O livro da vez é uma das meta de leitura para o DLL 2018 (Desafio Literário Livreando), referente ao tópico de "Autor Favorito". Não é novidade por aqui minha admiração pela dama da literatura brasileira.

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"Laços de Família", Clarice Lispector 
★★★★

Ler Clarice é sempre um balsamo! Que livro! Fisicamente é leve e curto, mas como pesa e é denso. Precisa-se enxergar as entrelinhas, todas as linhas e detalha-las. Quanto cabe de vida e sensibilidade em poucas palavras da mestre que admitidamente venero e debruço-me com prazer a cada obra.

Toda a coletânea é encantadora, porém alguns contos destacaram-se dos outros a medida que me tocaram. Inclusive, acho que cabe uma crítica individual a cada um deles, porque esmiúça-los, como merecem e como vocês merecem, tornaria excessivamente extensa esta resenha.


A família do artista por Pierre-Auguste Renoir
"A Família do Artista" - Renoir 

São ao todo 13 contos abastecidos da subjetividade e psicanálise características da autora. É preciso atentar-se aos simbolismos (ou seriam modernismos) que surgem ao longo dos textos, pois sabiamente, lá não estariam se não conotasse relevante teor ao relato. Não a leia que ingenuidades. É presumidamente ingênuo.

O cotidiano, o mecanismo das ações tão corriqueiras e automaticamente conhecidas é cenário para o desenrolar da maioria dos personagens apresentados. Ora a inconformidade desta posição programática, ora o despertar para a vida que existe além, ora a fidelização ao costume.
Horas outras, aparecem personagens tomando consciência de si, outros que nem sabem que deverás existem e há ainda os que querem vir a existir.



Giovanni Battista Torriglia

Somos jogados a um mar de vidas e ocasiões. Conhecemos cada um deles num dia singular, num dia espetacularmente inabitual. “Laços de Família” é um compilado de história cujo seio familiar seja direta ou indiretamente é mencionado de modo a ser o grande chamariz ao desenrolá-las. A ligação primeira e mais profunda que desenvolvemos ao longo da vida e pela vida. As pessoas com as quais partilhamos genes, traços e laços dão e deixam no que tange a conteúdos a serem explorados. Ainda mais, tendo a imaginação, tato e coração de Lispector.

Ri, me emocionei, refleti, me identifiquei... Li Clarice.



03 janeiro 2018

Resenha - "História do Olho"


~ Hey ~

Que comecem as leituras de 2018! Mais um ano, mais Desafios Literários. Para abri os trabalhos, escolhi o livro infra resenhado, ousado, publicado em 1928. 



"História do Olho",Georges Bataille
                                                                           ★ ★ ★


                                                         1. Um livro de Ficção Científica

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Créditos: Jan-Saudek-Hyperbole-1 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

"História do Olho" é um livro eroticamente cômico.

Por vezes senti o desejo carnal, lascivo e pútrido no qual o texto é embebido. O título carrega a palavra “olho” e a capa contextualiza a que tipo de “olho” vulgarmente se refere. A variação de nomenclatura para o orifício se repete várias e várias vezes, seja enaltecendo-o, seja desejando -o.

 O ato sexual em si não é detalhado, mas mencionado e determinado. Não há “machadianismos” ao seu desenrolar, apenas o que foi feito, onde e como. Situa e encerra. Os mais pitorescos fetiches são trazidos: a urina e a ejaculação em corpos alheios e junto a cadáver, inclusive estupro seguido de homicídio por enforcamento são alguns deles.


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Créditos: Jan-Saudek-Hyperbole-2 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

Entre os capítulos, desenhos eróticos adornam as páginas, isso porque a obra conversa com a fase surrealista. Marquês de Sade ficaria orgulho.

Trata-se do ardor da descoberta sexual de dois jovens, parentes longínquos e suas angústias compartilhadas pelas “coisas do sexo”, como o próprio eu lírico coloca. O texto é recheado de insinuações capciosas, olhares insanos e principalmente um pudor retido pela necessidade esmagadora de libertar-se, a libertação está intrinsecamente associada a nudez e essa por sua vez, ao prazer.

Diferente do comum em relação as mídias que retratam o sexo, em “Historia do Olho”, o sexo não finda ou tem necessariamente a sua consumação no gozo, mas sim na exasperação, no limite do humanamente suportável. O ambiente hostil de urina, sangue, suor, vômito e “porra” consome os personagens e só então, exaustos ou insanos encerram.

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Créditos: SAudek-hyperbole-40 Pintura de Jan Saudek, retiradas [daqui]

Vários objetos e “coisas”, por assim dizer, tem suas funções e características distorcidas em prol da conotação que os personagens querem dar ou precisam inseri-los e utilizá-los. Um pote não é mais um pote somente, um armário não é mais um armário somente e um ovo, não é mais um ovo somente. O único nu, cru e de fato real é o prazer e todo o resto meio para alcança-lo.

Por fim, o narrador nos apresenta uma versão do que poderia ser a explicação para os atos narrados até então, mas sem justificar-se, o que dá um teor autobiográfico a obra, onde já reina a metáfora.